A mediação é um procedimento de resolução e prevenção de disputas por meio do qual um terceiro neutro e devidamente capacitado auxilia e estimula as partes a encontrar soluções consensuais para determinada controvérsia.
Trata-se de um mecanismo que tem conquistado cada vez mais espaço, especialmente em razão da confidencialidade, agilidade e custo reduzido, e que ganhou ainda mais força com a edição da Lei de Mediação (Lei nº 13.140/2015), que trouxe mais segurança jurídica para esse procedimento.
A mediação é vista, inclusive pelo próprio Poder Judiciário, como um dos principais remédios para a elevada judicialização no nosso país.
Para se ter uma ideia, só em 2021 houve o ingresso de mais 27,7 milhões de novas ações, encerrando-se o ano com 77,3 milhões de processos pendentes de julgamento, segundo o relatório Justiça em Números – 2022, produzido pelo CNJ.
Apesar disso, verifica-se que as empresas frequentemente demonstram ter dúvida sobre em que momento e em quais casos utilizar a mediação, especialmente no que diz respeito a divergências com consumidores.
Importante ressaltar que, na prática, quase sempre é a empresa quem adota a iniciativa de convidar o consumidor para uma mediação.
Como a mediação possui um custo, ainda que reduzido, e o consumidor possui diversas opções e canais gratuitos para fazer sua reclamação, dificilmente o consumidor optará pela mediação se a empresa não tomar essa iniciativa e se dispuser a arcar com os custos correspondentes.
Como ocorre em quase todos os tipos de disputas, deve-se compreender também que a forma mais rápida de resolver os problemas via de regra será a negociação direta.
No caso dos consumidores, esse papel normalmente é assumido pelos canais de atendimento ou pela ouvidoria da empresa. A mediação certamente não pretende e nem pode substituir esses canais.
A mediação, portanto, não deve ser utilizada em todos os casos, até por que possui um custo, devendo ser utilizada preferencialmente naquelas situações em que a negociação direta não está mais surtindo efeito e a comunicação já não está sendo tão eficaz.
Por outro lado, deve-se sempre que possível buscar a mediação antes do início de uma ação judicial, que tende a tornar mais difícil a obtenção de uma solução consensual.
Note-se que o processo judicial é muito mais caro do que um procedimento de mediação, envolvendo custos mais evidentes, como taxas judiciais, advogados e eventuais condenações, e custos menos explícitos, como tempo despedindo, exposição
da marca e perda de clientes.
Como avaliou ainda o CNJ no Relatório Analítico Propositivo – os maiores litigantes em ações consumeristas: mapeamento e proposições (2018), foi consenso entre as pessoas ouvidas que aumentar o incentivo à conciliação dentro do processo
judicial seria insuficiente.
A percepção geral é a de que “a melhor solução para o problema seria aprimorar os meios de composição extrajudicial e alinhar incentivos para que os processos não cheguem no Judiciário.”
O desafio para as empresas, portanto, é tentar identificar as situações em que os canais de atendimento da empresa não estão sendo mais tão eficientes, antes que o consumidor ingresse com uma ação judicial, o que não é tarefa trivial.
Embora essa realidade possa ser diferente para cada empresa, há algumas situações comuns que podem indicar que o consumidor não está se sentindo mais confortável em tentar resolver a situação diretamente com a empresa, e que podem ser
adotados como parâmetros para essa decisão.
Nessa linha, podem sinalizar uma escalada no conflito, apta a recomendar a intervenção de um terceiro neutro, entre outros:
a) a avaliação negativa do consumidor realizada no site do Reclame AQUI;
b) o registro de reclamação junto a órgãos de defesa do consumidor ou agências reguladoras;
c) manifestações negativas reiteradas nas redes sociais; ou
d) a ausência de respostas do consumidor, quando a empresa procura por ele querendo oferecer uma solução para determinada situação.
Em todos esses casos, a mediação pode ter um papel importante para trazer o consumidor para um ambiente neutro, confidencial e mais propício para o acordo, com a intervenção de um terceiro capacitado para auxiliar os envolvidos a encontrar uma solução.
A empresa pode ainda identificar determinadas situações que considere mais delicadas e que podem gerar uma maior exposição da marca ou um maior risco jurídico.
Por exemplo, pode-se decidir tratar todas as reclamações referentes à proteção de dados (LGPD) ou referentes a situações de discriminação por meio da mediação, caso se entenda que esses são temas sensíveis para a empresa.
Nesses casos, a segurança e a confidencialidade oferecidas pelo procedimento de mediação favorecem a obtenção de um acordo e evitam que o problema se agrave, como usualmente ocorre quando essas situações são divulgadas.
Registre-se, ainda, que nada impede que a mediação seja utilizada mesmo nos casos já judicializados, como prevê o artigo 16 da Lei de Mediação.
Apesar de a mediação geralmente ser menos eficiente quando o conflito já chegou nesse patamar, a empresa pode adotar uma política de desjudicialização e, com a ajuda da mediação, identificar e tratar casos em que ainda se vislumbra a possibilidade de acordo.
De toda forma, o que se percebe é que o desenvolvimento da mediação nessa seara passa sempre por uma postura ativa (e não reativa) da empresa, e pela percepção de que esse é um problema transversal, que exige a atuação coordenada entre atendimento, ouvidoria e jurídico – mas, acima de tudo, exige o envolvimento e comprometimento da direção da empresa com as soluções extrajudiciais.
Karina Volpato é mediadora, sócia fundadora da CAMES Goiás, pós-graduada em Mediação de Conflitos e Arbitragem e administradora do Leegol.
Danilo Ribeiro Miranda Martins é mestre pela PUC-SP, MBA em Finanças pelo IBMEC, diretor jurídico do CONIMA e sócio-fundador da CAMES Brasil.
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